Uma das possíveis explicações para os altos índices de violência sofridos por pessoas transexuais no Brasil é a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que a maior parte desse contingente populacional está submetido, como aponta a ONG Transgender Europe. Diariamente, mulheres transexuais travam uma luta por sobrevivência no país que mais as mata.
Lidiany Cavalcante, doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia e coordenadora do Laboratório de Estudo de Gêneros da Universidade Federal do Amazonas, explica que o processo de exclusão tem início já nos primeiros anos de descoberta da identidade transexual.
A professora também aponta o conservadorismo como um dos grandes impeditivos para inclusão de transexuais no mercado formal. “Na nossa cidade, nós temos pessoas trans que têm faculdade, têm especialização, mestrado, mas que não conseguem garantir a sua sobrevivência através da atividade laborativa do trabalho, justamente por conta da discriminação social”.
Confira na íntegra o podcast gravado pela com a participação de Cavalcante!
Os dados escancaram uma realidade diária: o Brasil não promove a cidadania trans. A expectativa de vida de uma pessoa trans é de 35 anos, menos da metade da média nacional, que é de 75,5 anos, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Além de dificuldades para acessar os serviços de saúde, essas mulheres também têm outros direitos básicos negados. Confira abaixo!
A produtora audiovisual Diana Savi, 23 anos, faz parte da minoria trans que ocupa um cargo dentro do mercado de trabalho formal.
Trabalhando atualmente em uma agência de publicidade e propaganda, ela relata que ainda não conseguiu realizar o processo de transição hormonal e a mudança no registro civil por sempre priorizar o trabalho.
“Eu ainda tenho a questão da sobrevivência, priorizo mais o meu trabalho aos meus exames. Muitas vezes eu perco os exames porque tenho medo de ser demitida. Meu problema não é com a minha identidade, mas sim como as pessoas me veem. Eu estou sempre em constante luta para sobreviver”.
Diana também narra que em outras experiências profissionais se sentiu o “mascote” da empresa. “A razão de algumas demissões foi me ausentar para fazer consultas. Muitas pessoas aderiram a causa e começaram a me respeitar para encher a boca e falarem ‘no meu trabalho tem uma pessoa trans, eu sou a favor da diversidade’, mas por fora estavam fazendo merda” (SIC).
Maya Alvarenga de Freitas, 27 anos, e Katrina Ludmilla, 33 anos, são mulheres transexuais que conhecem a realidade das ruas.
Maya deu início ao processo de transição este ano e foi acolhida pela iniciativa Casa Miga, por estar em situação de vulnerabilidade social, e através da instituição conseguiu um emprego formal como consultora de vendas.
Katrina atua como garota de programa desde os 15 anos de idade, época em que perdeu sua mãe e precisou ir para as ruas.
Estas histórias diferentes e parecidas ao mesmo tempo foram contadas pela nossa equipe de reportagem.
A Casa Miga é uma casa de acolhimento para pessoas LGBTQIA+ que funciona em Manaus, e é a primeira do Brasil a trabalhar também com refugiados. Em dois anos, a Casa já acolheu cerca de 80 pessoas, de acordo com Lucas Brito, Coordenador Geral do projeto.
“A Casa é voltada para a população LGBT, mas a gente sabe na prática que o “T” é a letra mais marginalizada. Em dois anos, 45% dos acolhidos na Casa foram pessoas trans”.
Brito explica que antes de buscar encaminhamento para o mercado de trabalho formal, a Casa Miga promove a socialização de seus acolhidos. “Trabalhamos algumas vertentes aqui, inicialmente saúde e depois vem a educação”.
“A maioria dessas pessoas largaram os estudos cedo, muitos não terminaram o ensino médio e alguns sequer terminaram o fundamental. Então antes de dizer ‘você precisa estar no mercado de trabalho’, a gente precisa entender o que o mercado de trabalho exige”.
Com a intenção de devolver a cidadania e a oportunidades, a Casa desenvolveu o “Prepara Miga”, que visa fornecer aulas preparatórias para programas como o EJA, Enem, dentre outros.
“Nós tentamos trabalhar a parte da educação, garantir que elas se encontrem. Na prática, a gente tem experiências de que muitas delas não tiveram nem a oportunidade de pensar o que elas poderiam ser, o que elas poderiam querer. As vezes a gente pergunta ‘você gostaria de fazer uma faculdade? De que?’, e elas não sabem”, explicou Lucas.
O projeto busca entender as experiências e expectativas de vida dessas mulheres e, a partir daí, encaminha-las para cursos ou para possíveis vagas de trabalho.
A iniciativa se mantém através de parcerias privadas e uma benfeitoria. Você pode fazer uma contribuição clicando aqui.
Confira abaixo os bastidores com toda a equipe de reportagem e as fontes.