A negritude no cinema

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Com a proximidade do Dia da Consciência Negra, 20/11, a Agência Comunica dá sua contribuição para aprofundar a reflexão sobre o quanto precisamos avançar na garantia de direitos. Confira a dicas da  Gabrielly Oliveira, que apresenta as nuances variadas pelas quais o negro é retratado pela sétima arte.

Boa sessão!

Quilombo (1984) Cacá Diegues

Quilombo é um daqueles filmes que fazem você se envolver pelo ritmo, como se estivesse assistindo a um ritual e ao mesmo tempo te deixa com uma sensação de força e orgulho. Cacá Diegues não poupa elementos para contar a história do Quilombo dos Palmares, ele mistura ação, drama e muitos elementos da cultura afro-brasileira, criando uma narrativa vibrante. A história de Zumbi, interpretado com força por Luis Carlos Vasconcelos, é o coração da trama, um personagem que não apenas lidera um povo, mas representa a resistência de uma identidade contra o apagamento. Palmares não é só um refúgio de liberdade, é um símbolo de luta, um sonho que desafia a realidade brutal da escravidão.

 

O filme é cheio de momentos viscerais que fazem você sentir o peso daquela resistência, Diegues faz questão de pintar a luta dos quilombolas com uma energia quase sobrenatural. Em meio às cenas de batalha e às tensões entre os personagens, é possível sentir que Palmares não é apenas um lugar de fuga, é um espaço de construção de identidade, um sopro de vida onde de sobrevivência para aquelas pessoas que queriam viver com dignidade.

 

A estilização dramática é tão carregada que parece que os personagens estão em uma peça de teatro ao ar livre, com gestos amplos e olhares profundos, como se cada fala fosse uma sentença. Essa intensidade quase épica pode afastar quem espera uma abordagem mais direta e realista. Ainda assim, é inegável que a estética do filme tem um poder, ela transforma Palmares e Zumbi em ícones, elevando-os ao status de mitos que ultrapassam o tempo.

 

No fim, Quilombo é uma obra que tem uma alma profunda, e Cacá Diegues nos faz refletir sobre a resistência mas também sobre a construção da identidade negra no Brasil. Ele nos lembra que a história de Palmares ainda ecoa e nos faz pensar: será que estamos, de fato, valorizando essa herança de resistência? Ou ainda estamos presos a antigos apagamentos?

O filme se encontra disponível de graça no youtube https://www.youtube.com/watch?v=WOIBTD0ebXg

O Canto do Mar  (1953)  de Otávio Gabus Mendes 

O Canto do Mar é aquele tipo de filme que te faz voltar no tempo, para uma versão do Brasil que a gente às vezes esquece que existiu. Dirigido por Otávio Gabus Mendes, ele nos leva para o sertão nordestino com uma câmera que quase se perde nos cenários, de tão encantada que está. E esse talvez seja o charme do filme: ele é quase poético, mas sem precisar de palavras bonitas. A beleza está no calor da terra seca, nas feições dos personagens sofridos e no modo como o mar é um sonho, uma fuga, quase uma redenção para os protagonistas.

 

A história é simples, mas a jornada de desbravar o sertão em busca de uma vida melhor e o desejo pelo mar trazem um simbolismo profundo, é a promessa de que além do horizonte seco, existe algo maior, mais livre e mais leve. Gabus Mendes conseguiu capturar o espírito de uma época em que as dificuldades pareciam ainda maiores e fez isso com uma sensibilidade que abraça os personagens e quem assiste, em vez de transformar o sertão em um lugar de miséria absoluta, ele mostra a força e a esperança, aquela que resiste mesmo quando parece inútil.

 

Agora, não dá para assistir e achar que o filme passou ileso pelo tempo, alguns detalhes parecem envelhecidos e talvez seja meio difícil para o público moderno embarcar no ritmo lento e nas atuações dramáticas, típicas da época. Mas, se você assistir com o coração aberto e uma certa dose de paciência, o filme conquista. O Canto do Mar não é uma superprodução, mas tem uma alma grandiosa e nos lembra que, às vezes, o mar de cada um é uma ideia de esperança que faz a vida seguir em frente.

 

O filme se encontra disponível de graça e em HD no youtube https://www.youtube.com/watch?v=CtqnXYvmomw 

 

 

A negação do Brasil L (2000) de Joel Zito Araújo 

Joel Zito nos leva numa viagem pelas novelas brasileiras, um território muito familiar pra gente, ele faz isso para mostrar algo que a maioria dos brasileiros ignora: como, ao longo das décadas, a TV teima em apagar ou distorcer a representação de pessoas negras.

 

De maneira crua, o documentário revela um “cenário paralelo” em que atores negros quase sempre aparecem em papéis estereotipados: o escravo, a empregada, o bandido. Zito coloca uma luz sobre a invisibilidade e a dor desses profissionais, mostrando como eles lutaram contra esses estereótipos, ou muitas vezes foram empurrados a aceitá-los por falta de opção. A coragem de trazer depoimentos sinceros de atores como Milton Gonçalves e Zezé Motta também é um ato político, mostrando como a estrutura de poder da TV brasileira moldou (e ainda molda) as percepções de raça na sociedade.

 

O filme não é um passeio leve pelo “museu de grandes novidades”, cada depoimento é uma dose de realidade e um chamado para abrir os olhos, a cada cena nos traz a sensação de que o Brasil precisa acordar dessa “negação”. Não só é um documentário importante, mas quase uma sessão de terapia coletiva para todos nós, confrontando-nos com a pergunta: por que até hoje temos dificuldade em aceitar que o Brasil é negro, indígena e mestiço?

Joel Zito faz isso sem se elevar a um pedestal, ele não acusa ninguém em particular, mas coloca em xeque um sistema que todos nós, de alguma forma, alimentamos. É quase como se ele dissesse: “E aí, o que você vai fazer sobre isso?”

 

O documentário se encontra disponível de graça no youtube https://youtu.be/p28P_L-aXb8?si=Iw4hlS8KoLOclk9b 


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