Guardião do Tarumã-Açu: Atleta luta pela limpeza e conservação da última bacia propícia para banho em Manaus

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Por Letícia Rolim

rio Tarumã-Açu que banha a cidade de Manaus, se destaca por ser a última próxima à metrópole que oferece condições propícias para o banho, atividades de lazer, turismo e comércio. A bacia abrange uma área total de 133.756,40 metros quadrados. Suas águas são cenário para a prática de diversas atividades esportivas, como o Stand Up Paddle (SUP), também conhecido como Remo em Pé ou Surfe com Remo.

Pablo Casado, um dos pioneiros nessa modalidade no Amazonas, é um atleta profissional de SUP que encontrou nas águas do Tarumã-Açu uma forma de unir lazer, qualidade de vida e contato direto com a natureza. Além da sua atuação como atleta, Casado assume o papel de presidente da federação amazonense do esporte e ostenta o título de líder do ranking brasileiro de SUP em 2023.

Nas águas do Tarumã-Açu, onde a beleza natural coexiste com desafios ambientais, Pablo Casado surge como um exemplo inspirador de dedicação à sua paixão esportiva e à preservação da natureza. Sua jornada ilustra a capacidade humana de transformar um simples encontro com o esporte em uma missão mais ampla de impacto positivo.

Em diversas ocasiões, ele e outros atletas se reúnem munidos de sacos de lixo e dirigem-se às praias próximas, onde coletam plásticos e uma variedade de resíduos sólidos. A ação não ajuda apenas a limpar os locais, mas também serve como uma poderosa demonstração da importância de cuidar do local que todos compartilham.

“Eu costumo dizer que nosso esporte, une diversão e qualidade de vida. A educação ambiental faz parte do contexto em que a gente vive, nós vivemos na maior piscina de água doce do mundo e a gente precisa preservar isso aqui, para que futuras gerações possam usufruir da mesma forma que a gente”, diz Casado.

Ele se empenha em despertar o comprometimento das pessoas com o meio ambiente, oferecendo explicações sobre a significância da preservação. Seu envolvimento inspirador vai além da prática do esporte, incorporando a missão de criar uma consciência coletiva em relação à fragilidade do ecossistema local.

“A gente faz um trabalho de formiguinha, a gente leva nossos sacos de lixo e no final da remada a gente recolhe, e se levarmos 20 sacos, os 20 voltam cheios de plástico do rio. Essa é uma prática que fazemos a muitos anos, estamos aqui há mais de 10 anos e estamos feliz com o caminho que a nossa história tem tomado”, relata o atleta.

Em um mundo onde a exploração da natureza muitas vezes vem acompanhada de danos colaterais, o exemplo de Pablo Casado lembra da importância de agir com responsabilidade e em harmonia com o ambiente que nos cerca. Cada um possui o poder de preservar o lugar em que vive e precisa.

Nascido e criado no Amazonas, sua consciência ambiental e ligação com o rio vem desde pequeno, e hoje ele tornou essa paixão em trabalho, proporcionando essa conexão com a natureza para outras pessoas.

“Minha ligação com o rio vem desde meus ancestrais, meus avós e bisavós. Eu aprendi a gostar do rio, e hoje ganho a vida com isso e sou muito feliz em poder proporcionar um momento diferenciado na vida das pessoas que procuram os serviços aqui da Guarderia Tribal SUP”, revela o atleta.

Casado faz questão de transmitir uma mensagem de grande importância a todos que visitam o local ou residem nas proximidades: a preservação do ambiente e a união para garantir sua limpeza.

O atleta enfatiza a significância desse tesouro natural compartilhado e estimula a comunidade a se unir em prol da sua preservação. Ele incentiva a todos a adotarem uma abordagem colaborativa, destacando que cada pequeno esforço contribui para a grande causa da limpeza e conservação do rio Tarumã-açu e suas praias.

“Usem nosso lago de forma consciente, preservem o tarumã, pois ele está se acabando. Se a gente não tomar providências agora, em um futuro não muito distante a gente não vai mais conseguir usufruir da forma que fazemos aqui hoje, poder tomar um banho, trazer a família pra cá. É importante que o lixo que você traz, você leve embora e não jogue na água. E se ver lixo na água, retire e ajude com a limpeza do lago”, orienta Casado.

De onde vem o lixo?

As tranquilas águas do rio Tarumã-Açu oferecem um espetáculo de beleza natural que captura a essência da serenidade. As paisagens encantadoras parecem imunes à qualquer interferência. No entanto, um contraste doloroso se desenha quando os olhos se desviam para além das margens, onde as praias são marcadas por um cenário de lixo acumulado.

Nesse cenário preocupante que se desenha, o acúmulo de lixo tem gerado inquietação entre moradores e proprietários de flutuantes da região. A situação é agravada pelo desague de 13 igarapés que despejam detritos diretamente no curso d’água, comprometendo a sua qualidade.

Os igarapés Santo Antônio, Cabeça Branca, São José, Leão, Mariano, Branquinho, Caniço, Argola, Tiú, Panermão, Bolívia, Gigante e o rio Tarumã-Mirim têm contribuído para o problema, transportando uma quantidade significativa de resíduos sólidos que se acumulam nas praias e margens do Tarumã-Açu.

A Bacia do Tarumã-Açu, que já foi um ecossistema abundante e diversificado, agora encontra-se em uma situação considerada crítica por pesquisadores e ativistas das causas ambientais. A crescente intervenção humana, está gerando preocupações extremas quanto à sua preservação e equilíbrio.

Segundo o pesquisador da Ufam, Dr. Lucas Ferrante, vários elementos têm colaborado para a contaminação do Tarumã-Açu e destaca que os flutuantes irregulares não são os principais poluidores e outras medidas precisam ser tomadas. Ele explica:

“É crucial que os flutuantes irregulares sejam efetivamente removidos, dado que existe uma grande quantidade deles cujos resíduos não são adequadamente tratados. Isso não deve servir como uma justificativa válida para a inação por parte das autoridades públicas. No entanto, há outras questões que requerem solução, como a invasão de terras na origem dos pequenos cursos d’água, o que tem resultado no descarte inadequado de resíduos e cria um risco potencial de poluição dos cursos d’água no futuro. Também é necessário considerar o descarte inadequado de resíduos humanos nesses mesmos cursos d’água. Portanto, é imprescindível que haja uma abordagem mais abrangente para lidar com essa situação”

Tanto o rio Tarumã-Açu quanto seus afluentes estão sofrendo com esse processo de degradação. O aumento da influência humana sobre essas regiões, se manifesta por meio do desmatamento, do despejo de esgoto doméstico e do descarte de resíduos provenientes de atividades agroindustriais. Essas ações estão provocando a deterioração desses ecossistemas e a perda de biodiversidade.

Apesar das contribuições de Pablo e outros atletas não parecem grandes, não deixam de ser significativas, ele mantém a convicção de que se todos estiverem conscientes e oferecerem ajuda, será possível evitar que a contaminação do lugar aconteça de modo que não seja mais possível realizar nenhuma atividade.

Pablo ressalta que os responsáveis pela poluição não são os flutuantes, uma vez que os proprietários dessas estruturas cuidam e se empenham na preservação do local. No entanto, acredita que a problemática pode estar associada principalmente ao descarte inadequado proveniente dos igarapés.

“Nós sabemos que o lago do Tarumã já está bastante prejudicado com a quantidade de lixo que chega aqui, dos afluentes e igarapés que desaguam aqui no lago, eles trazem muito lixo, muito plástico e muita sujeira. O principal poluidor não são os flutuantes, ninguém quer sujeira próximo do seu flutuante, ninguém quer o rio poluído. Tenho certeza que todas as pessoas que frequentam esse lugar, querem ele limpo e principalmente os donos dos flutuantes”, esclarece Casado.

Esse contraste instiga a reflexão sobre própria coexistência do ser humano com a natureza e a necessidade urgente de adotar medidas para reverter essa degradação. “Esse lixo vem da outra margem do rio, que vem todo para as praias e acumulam nas margens. Quantos sacos a gente trouxer de lixo, conseguimos encher”, revela Pablo.

A coexistência entre a beleza serena do rio e a degradação humana que o aflige serve como um chamado à ação. A área ambiental enfrenta constantes desafios de degradação, o que reforça a necessidade de tomar medidas efetivas em prol da sustentabilidade. Restaurar a harmonia entre a natureza e a sociedade requer esforços conjuntos para reduzir a poluição, educar sobre o impacto ambiental e promover práticas mais responsáveis.

Degradação

O rio Tarumã-Açu juntamente com seus afluentes, são cursos aquáticos que estão em constante degradação. Mais especificamente, em grandes áreas urbanas uma das ameaças mais evidentes é a poluição de pequenos riachos que constituem a malha hídrica local.

A margem esquerda da bacia, em especial, surge como um ponto de diversas atividades que causam impactos negativos ao ambiente. O turismo desordenado e predatório, caracterizado pela falta de regulamentação e monitoramento, tem sobrecarregado os recursos naturais da região.

“Essa região Tarumã Sul é a região de mais fácil acesso para o lazer e pro turismo. E poderia ser uma grande indústria geradora de riquezas pra população local. Mas, na realidade é uma bacia hidrográfica está sendo muito rapidamente degradada”, destaca o pesquisador Lucas Ferrante.

A crescente pressão resultante da intervenção humana sobre os pequenos riachos que tem acompanhado o crescimento populacional em Manaus se manifesta na forma de desmatamento, lançamentos de esgoto doméstico e de resíduos de atividades agroindustriais, que têm causado a degradação desses ambientes e perda de biodiversidade.

Os empreendimentos que surgem sem o devido licenciamento ambiental também são parte integral desse quadro preocupante. A ausência de regulamentação rigorosa tem permitido a implantação de projetos que não consideram os potenciais impactos ambientais. Tais empreendimentos não apenas ameaçam a integridade do ecossistema, mas também minam os esforços para a conservação da bacia.

Além disso, as ocupações irregulares têm se multiplicado, fragmentando áreas de preservação e contribuindo para a degradação do habitat natural. As construções que surgem sem um planejamento adequado comprometem a capacidade do ecossistema de se regenerar e oferecer serviços ecossistêmicos essenciais à região.

Diante desse cenário desafiador, a necessidade de ações imediatas e coordenadas torna-se crucial. Pesquisadores e ativistas enfatizam a urgência de uma abordagem holística, que envolva a conscientização da comunidade local, a implementação de políticas ambientais mais rigorosas e a promoção de um turismo sustentável.

“É necessário que o poder público reconheça os outros fatores e que essa ação se estenda para além dos flutuantes de maneira exemplar. A retirada de todos os os flutuantes não é a solução, mas de fato é retirar os flutuantes que estejam ilegais e estender essas medidas a outros agentes que tem contribuído pra essa poluição como residências irregulares que tem despejado seus dejetos nos igarapés e outros”, argumenta Lucas Ferrante, pesquisador da Ufam.

Estudos sobre o Tarumã-açu

De acordo com um estudo conduzido pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), sobre os efeitos da degradação ambiental, foi descoberto que águas ricas em nutrientes provenientes desses afluentes que recebem esgoto doméstico podem impulsionar a produtividade biológica, resultando no aumento de hospedeiros intermediários e, consequentemente, seus parasitas.

A imensa quantidade de sedimentos resultante do desmatamento e do despejo de esgoto tem um impacto significativo, aumentando consideravelmente a presença de partículas em suspensão e coliformes fecais na água. Isso compromete a qualidade da água, tornando-a inadequada para consumo e afetando negativamente as atividades de lazer, bem como a vida aquática, desde os micro-organismos do fitoplâncton até os plânctons, que são organismos aquáticos selvagens.

“Essa vida aquática estava acostumada a águas extremamente claras, comparáveis a água destilada. Hoje, devido ao processo de eutrofização do rio Tarumã-Açu, a base da cadeia alimentar está sendo prejudicada pela grande quantidade de sedimentos a que esses microrganismos não estão adaptados”, conta Elisa Wandelli, Pesquisadora e Bióloga

A elevação das temperaturas da água também influencia nesse ecossistema. Parasitas que amadurecem mais rápido em águas quentes são beneficiados, levando a uma proliferação acelerada e à liberação de estágios infecciosos. Paralelamente, flutuações de temperatura enfraquecem o sistema imunológico dos peixes, fazendo com que fiquem mais suscetíveis ao parasitismo.

Outro estudo realizado em 2021 concentrou-se na qualidade das águas do rio Tarumã-Açu e de igarapés como Bolívia, Leão e Mariano. Essas águas fazem parte da Bacia Hidrográfica do Tarumã-Açu, e foram avaliadas com base nos padrões definidos pelo Plano Estadual de Recursos Hídricos do Amazonas (PERH/AM).

Coletas foram realizadas durante o período de chuvas intensas, afetando o fluxo do rio Tarumã-Açu devido ao momento que as águas do rio Negro sobem. O estudo também levou em conta o fechamento temporário de flutuantes e balneários devido à pandemia de COVID-19.

Os resultados revelaram altos níveis de coliformes totais nas proximidades da Marina do Davi e da praia Dourada. Esse fato sugere a presença de bactérias patogênicas e Escherichia coli (nome de uma bactéria que habita o intestino de animais endotérmicos, cuja presença pode indicar aspectos relativos à qualidade da água e de alimentos), indicando contaminação fecal ao longo desses trechos.

Embora o estudo tenha identificado interferências urbanas, incluindo despejos domésticos e efluentes industriais, os rios da Bacia do Tarumã-Açu ainda mantêm suas características naturais. No entanto, a pesquisa alerta que a situação pode mudar rapidamente sem um monitoramento e controle contínuos da qualidade da água.

 


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