Por Ana Aguiar e Gabriel Horta
“Para onde a sociedade pode evoluir?” Essa inquietante pergunta foi encarada de frente pelo governo japonês que incluiu no 5.º Plano Básico de Ciência e Tecnologia o termo “Sociedade 5.0” para ilustrar um ideal de corpo social — inclusivo e sustentável, onde a tecnologia serve para auxiliar as pessoas, não substituí-las. Essa iniciativa tem tido repercussões políticas, ambientais, tecnológicas e comunicacionais.
O chamado “Jornalismo 5.0”, nascido dessa nova comunicação, é caracterizado por uma produção mais humanizada, próxima do público, sem medo de transparecer emoções, diminuindo a visão de um profissional da comunicação sisudo e que não se emociona.
Sendo parte desta sociedade idealizada, o Jornalismo 5.0 também representa em si mesmo uma comunicação utópica — onde temas socialmente relevantes são abordados com o respeito e dignidade máximos e a figura do jornalista se torna mais palpável, quase “amiga” do telespectador. Embora a Sociedade 5.0 esteja longe de ser alcançada, é possível ver os impactos do novo jornalismo hoje em dia.
Como começou?
Segundo os jornalistas Cláudia Thomé e Marco Aurélio Reis, em seu texto “Reconfigurações das narrativas midiáticas no contexto da Sociedade 5.0”, notícias “de morte, assim como pautas […] sobre racismo e homofobia” têm maior impacto e ressoam melhor com a audiência se houver um gancho emocional. De acordo com uma pesquisa realizada pela jornalista Beatriz Becker, foi possível observar um aumento de coberturas jornalísticas mais “emotivas” a partir do ano de 2016.
Uma reportagem citada como exemplo é o bloco “Mãe Repórter”, realizado pela SBT Interior, em 2017, onde a repórter Melissa Alcântara fala sobre sua rotina como mãe e trabalhadora. Embora superficialmente pareça apenas um quadro de variedades, colocado em um programa jornalístico para ser uma espécie de “quebra-gelo”, é possível notar que a realização do quadro humanizou quem outrora era apenas uma comunicadora, distante do público, em uma figura identificável, com os mesmos problemas de parte da audiência.
Outro acontecimento cuja cobertura inclinou-se para esse jornalismo mais humanizado foi o acidente aéreo que acometeu a Associação Chapecoense de Futebol, em dezembro de 2016.
Como isso impacta os profissionais?
Toda mudança que afeta a produção jornalística, além de mudar a lógica de mercado e desenvolvimento do produto, também acaba impactando os responsáveis pelas reportagens: produtores, apresentadores e repórteres.
Para Elisângela Araújo, repórter com mais de 20 anos de carreira e contribuições em canais de notícia como a rede ACrítica, essa mudança de paradigma é visível, principalmente, na forma com que os apresentadores se mostram:
“Para você ter uma ideia, quando eu comecei, tinha um padrão de cabelo. Se ver vídeos antigos meus e de outras colegas, pode ver que todas (repórteres mulheres) tínhamos cabelos lisos, na altura dos ombros… as nossas roupas eram sociais, terno e gravata, mesmo no nosso calor amazônico. Hoje em dia, a gente vê que… (sic) antigamente, era mais regrado. Hoje, pode aparecer tatuagem, piercing, a gente vê jornalistas mais descolados, por assim dizer”, explicou, lembrando que os próprios apresentadores estão mais assim [descolados] e que o G1 tem um quadro com apresentadores que falam até de uma maneira mais próxima da população, vemos até roupas mais simples”.
Para comparação:
Elisângela Araújo em link ao vivo para o Fala, Brasil, 2018.
Luiza Tenente apresentando o G1 em um Minuto, 2022.
Segundo Raíssa Oliveira, que é produtora nos programas ACrítica Kids e Fator Agro da Rede ACrítica, essa mudança comunicacional impactou positivamente no trabalho de produção:
“Com uma visão de produtora, que tem facilitado bastante a minha vida, né? (risadas) Porque quando a gente vai procurar pautas, pensamos logo no que que o público vai interagir com a matéria. Então pensamos em como abordar para que seja de fácil entendimento para o público. Então, quando esse novo jornalismo surge, com essa versão mais adaptada para o público, para a audiência, para ter essa proximidade, querendo ou não, é de certa maneira mais fácil de se produzir, na minha visão. Porque a linguagem se torna cada vez mais simples, as pautas podem ter mais criatividade, se aproximando do dia a dia da pessoa que está assistindo”.
Raíssa também cita como a interção com o público acaba moldando as pautas:
“No programa “Magazine”, recentemente foi ao ar uma matéria que falava sobre gírias de adolescentes e a repórter estava ouvindo jovens falando sobre isso. No programa “Alô Cidade” também tem essa grande participação do público, principalmente quando o apresentador lê os comentários do público, mandando beijo para fulano e para siclano e, às vezes, acaba vendo um assunto específico que pode gerar uma boa pauta para o ao vivo. Então é uma troca muito boa que acontecesse nesse novo jornalismo, que se aproxima de diversos públicos, não somente aqueles que já assistem esses programas, mas também de quem está começando a acompanhar”.
Já para Jessyka Olyveira, apresentadora do programa Fator Agro, na rede Acrítica de Televisão, a guinada pós-pandemia mostra que o público se interessa tanto pela notícia quanto por quem está noticiando:
“Hoje, o telespectador quer se sentir próximo de quem está ali na tela. Quer entender a notícia, claro, mas também quer se conectar com a pessoa que está comunicando. E eu percebo isso no meu dia a dia: há mais identificação, mais interação nas redes sociais, mais gente comentando que se sente representada ou acolhida quando assiste”.
Ao ser questionada se houve uma dimunição na cobrança na questão da postura mais séria do jornalista, Jessyka afirma que ela ainda existe e que é fundamental para que hajam, eventualmente, as quebras de protocolo:
“Quando entrei na televisão, fui bastante cobrada com relação à fala, dicção, uso do português e isso, de certa forma, foi fundamental para minha formação. A gente precisa dominar a técnica para depois ter liberdade de se expressar com mais naturalidade. No fim das contas, acho que o que mudou foi o tom. O jornalismo segue firme na responsabilidade de informar, mas agora com mais empatia e humanidade. E isso, sem dúvida, aproxima muito mais quem assiste”.