Por Camila Vieira e Claudia Miranda
A capital amazonense é porta de entrada para a maior floresta tropical do mundo, encara um dilema, enquanto encanta turistas com a sua beleza e atrações naturais e urbanas, por outro lado, convive com a poluição de igarapés. No cotidiano, os igarapés poluídos que recebem esgoto a céu aberto, submetendo a saúde de moradores, experiências turísticas e a imagem da cidade diante de discussões ambientais globais, com a Conferência das Partes (COP).
No coração da cidade, o esgoto também impacta ruas e comércios. O problema chega a prejudicar um dos cartões-postais, o Mercado de Origem, além de se repetir em pontos próximos.
Os comerciantes contam como é difícil conviver com tanta poluição. Muitas das vezes, o descaso da população afeta o bem-estar dos trabalhadores e moradores que convivem sempre com cheiros fortes que vêm diretamente do esgoto.
“Na zona sul de Manaus podemos apreciar um grande acúmulo de resíduos sólidos. Quando acontecem eventos, o odor de urina fica extremamente forte e isso compromete a saúde e o trabalho, além de afastar clientes e prejudicar a economia local. Todos nós conhecemos essa zona da cidade como “centro histórico” e turístico. Contudo, a nossa cidade fica localizada bem no coração do pulmão do mundo, como pode apresentar esse cenário para os visitantes, esteticamente passa uma imagem negativa para quem vem de outros estados e quanto do exterior”, relatou a comerciante Elis de Oliveira.
Para morada Maria do Carmo, de 72 anos, a situação dos igarapés poluídos preocupa: “Aqui em Manaus tem muito igarapé poluído e as pessoas continuam poluindo cada vez mais, jogando lixo nos igarapés e com essa péssima prática vai continuar destruindo o nosso meio ambiente”, disse.
O acúmulo de lixo nos igarapés acende o alerta para proliferação de doenças, que afetam, a população que vive em situação de vulnerabilidade, expostas a esses ambientes insalubres. As principais doenças transmitidas pela água contaminada dos igarapés são: leptospirose, cólera, diarreia, hepatite A, amebíase, giardíase, febre tifoide e diferentes tipos de gastroenterite. Em 2024, o Amazonas registrou mais de cinco mil e quinhentas internações de DRSAI, segundo dados do Trata Brasil.
A professora Suelen Lima, Doutora em Entomologia, explica que a concentração de poluentes nos igarapés tem um fator crucial, principalmente para a população, pois favorece a disseminação de doenças veiculadas pela água. ”A Leptospirose é bastante presente na região de Manaus. Em épocas sazonais e de chuvas constantes, quando o índice dessa doença aumenta significativamente”.
O setor turístico também está enfrentando dificuldades. A Ponta Negra, cartão-postal urbano, atrai milhares de visitantes todos os anos, mas sofre com os impactos da poluição e do esgoto que chegam até a orla.
De acordo com a professora Suelen Lima, Doutora em Entomologia, destaca os igarapés sujos e como esse fator afeta diretamente o turismo da nossa região.
“O turismo na região de Manaus se dá principalmente pelas características ambientais, região amazônica, igarapés, que cortam Manaus, a concentração de vegetação. E a poluição nos igarapés tem um fator muito negativo, principalmente a concentração de plástico nos igarapés, elas ocasionam uma visão muito errada, muito negativa da região de Manaus. visto que nós estamos na maior região vegetal, a concentração de plástico nos igarapés é muito controverso”, comenta.
Em contraste, o Igarapé Branco, ainda limpo, recebe cuidados do jornalista, proprietário e presidente da ONG Mata Viva, Jó Farah, sendo referência de preservação ambiental em meio à cidade.
“A diferença entre um igarapé limpo e poluído, é sentida de imediato. O sujo não tem floresta nas margens, está completamente invadido pelos esgotos, cheio de lixo, mau cheiro, o limpo tem florestas, nascentes de margens, peixes, pássaros e água oxigenada. Um igarapé sem poluição embeleza a cidade, intensifica o turismo, diminui os custos com tratamento de água e garante qualidade de vida. A mensagem do Igarapé Água Branca para cidade de Manaus é única, não me mate, eu não quero morrer”, destacou Jó Farah
No período anterior à gestão da Águas de Manaus, apenas 19% da população tinha acesso ao tratamento de esgoto. Hoje, conta com mais de 26% da área urbana e conta com redes de coleta e tratamento. O Igarapé do Beco Nonato, na Cachoeirinha, zona sul, representa o marco de ser a primeira área de palafitas de Manaus a receber rede de tratamento de esgoto, sinalizando o início das intervenções da concessionária.
Em 2023, foi lançado o programa Trata Bem Manaus. A concessionária fez um planejamento para atender a rede de esgotamento sanitário na cidade de Manaus. Ampliamos em 34% a cobertura de redes de esgoto, nos próximos dois anos estaremos com 60% de esgoto coletado e tratado. A meta do programa é universalizar 90% do esgoto coletado e tratado na cidade até 2033.
Segundo Hégno Silva, coordenador de projetos da Águas de Manaus, o principal desafio da concessionária é ampliar a rede de esgotamento sanitário, afirmando que o benefício chegue de forma efetiva à população.
Atualmente, estamos atuando em mais de 13 bairros, implantando redes de esgotamento sanitário, efetuando as ligações domiciliares e construindo elevatórias que transportam os resíduos até as estações de tratamento, que também estão em obra. Esse ano iremos inaugurar uma nova unidade, a Estação Raiz, às margens do Igarapé do 40, esse trabalho faz parte do nosso plano de ampliar a rede de esgotamento sanitário da cidade, destacou.
Na medida que as obras avançam e a população passa a se conectar à rede de esgoto, o saneamento se solidifica como um trabalho conjunto. A aceitação dos moradores é essencial para que o sistema funcione de forma adequada. Além de promover saúde, a medida contribui para a redução de doenças de veiculação hídrica, como leptospirose, diarreia e hepatite
A concessionária de água também investe em educação ambiental. O programa “Saúde Nota 10”, lançado no dia 21 de agosto deste ano, destinado a escolas municipais, ensina crianças e adolescentes sobre o uso consciente da água, preservação dos igarapés e os cuidados com o esgoto.
“Diante disso, essas crianças e adolescentes, são motivados a produzir redações ou desenhos, trazendo apresentações didáticas que demonstram como eles compreenderam tudo que foi ensinado. A concessionária trabalha com incentivo, realizando premiações para esses alunos”, relatou Hégno Silva, coordenador de projetos.
Além das ações, a Secretaria Municipal de Limpeza e Serviços Públicos (SEMULSP) cuida da limpeza, da coleta de lixo e da preservação de igarapés e áreas da cidade. Há pouco tempo, a SEMULSP colaborou na revisão do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB), nivelando ações de água, drenagem urbana, esgoto e resíduos sólidos, com principal objetivo de apresentar o plano completo até a COP 30.
O coordenador da coleta seletiva, Luiz Paz, ressaltou que essas medidas são fundamentais para melhorar a qualidade de vida da população e tornar Manaus referência em saneamento sustentável na região Norte.
“A Prefeitura de Manaus criou um sistema de ecobarreiras, e hoje contamos com 11 instaladas em diversos igarapés. Essa prática ajuda reter os lixos que iriam diretos para os rios e para a orla. O material coletado, quando reciclável, como a garrafa PET, é encaminhado para a secretaria e destinado ao projeto de reciclagem. Durante o mês de agosto, recolhemos mais de uma tonelada e meia de garrafas PET”, disse.
A Secretaria Municipal de Limpeza e Serviços Públicos (SEMULSP), é considerada a primeira e única Secretaria Municipal de Limpeza Pública do país a receber a certificação lixo zero, por boas práticas. Essa certificação vem do Instituto Lixo Zero Brasil validado pela Zero Waste Internacional Alliance (Aliança Internacional Lixo Zero).
O projeto Remada Ambiental nasceu em maio de 2016, em Manaus, a partir da iniciativa de Jadson Maciel, que estava descontente com a quantidade de lixo nos igarapés da cidade. O que começou apenas como uma inquietação pessoal e a vontade de ter um rio limpo se transformou em um movimento de impacto na região amazonense, atraindo voluntários de todas as idades.
Esse projeto já tem apoio da Fundação Amazônia Sustentável (FAS) e Secretaria Municipal de Limpeza e Serviços Públicos (SEMULSP). Em julho deste ano, cerca de 1,5 tonelada de lixo foi retirada do Igarapé do Gigante, com a participação de 76 voluntários.
Cercado de igarapés poluídos, áreas centrais e locais preservados, Manaus carrega um dilema sobre como harmonizar beleza natural, desenvolvimento urbano e qualidade de vida. Diante dos moradores do Tarumã-Açú, a solução significa saúde e bem-estar. Para o turismo, significa manter viva a vocação de encantar qualquer visitante com sua beleza. E Para o mundo, é uma chance de a Amazônia liderar em biodiversidade e sustentabilidade.
O destino do esgoto na capital amazonense vai além de uma questão local, é um teste para o futuro da cidade e da Amazônia no maior palco global. De acordo com o ranking de 2024 do Trata Brasil, Manaus está entre as cidades que mais investem em saneamento no Norte, resultado das ações realizadas pela Águas de Manaus.