Por Hélcio Mello
Há quem acredita em histórias de pescador, mas só quem viveu momentos de medo e aventura sabe realmente contar o que presenciou nas matas, rios e lagos desse imenso Amazonas.
Convido nossos estimados leitores a apreciar uma das aventuras vividas pelo pescador Hélcio Maquiné, de 52 anos, em um grande lago localizado no município de Careiro da Várzea, a 25 km de distância de Manaus.
Criado praticamente dentro de uma canoa, seu Hélcio Maquiné, conhecido pelos amigos como “Meia Calça” será o protagonista desta matéria que tem como propósito apresentar as dificuldades e as aventuras vividas nos rios e lagos do Amazonas. Ele conta como ganhou esse apelido.
“Na minha época de juventude, lá pelos meus 20 e 30 anos, o emprego daquela geração de onde eu morava ou era cuidar dos campos dos fazendeiros, limpando, colocando bezerros nos currais ou tirando leite de madrugada. E eu nunca gostei de usar calça cumprida para fazer esses serviços, sempre gostava de usar bermudas feitas de calças usadas que chegassem até a canela da perna, e foi ai que me colocaram esse apelido de meia calça”, disse.
Durante sua juventude, Hélcio conta que o pai, seu João Gomes da Silva, por não ter tantos recursos para criar os filhos, tinha na pesca uma saída para sanar a fome e as necessidades do lar. E foi por meio da pescaria que Hélcio, já na idade adulta, também conseguia levar alimentos e garantir recursos por meio da venda dos peixes para manter a família.
“Naquela época não tínhamos tantos recursos como temos hoje; Ou você se sujeitava a trabalhos pesados para ganhar uma garrafa de leite aqui, ou um pedaço de carne ali, ou você passava por necessidades. E a pesca para mim foi também uma saída que me ajudou a não deixar faltar alimento em casa”.
E foi em uma dessas pescarias dentro das matas alagadiças de onde morava que Seu Hélcio presenciou momentos tensos que quase lhe custaram a vida e que hoje são contados aos netos e curiosos que veem como àquelas velhas “estórias” contadas por pescadores com a intenção de gerar medo em que ouve.
Jacaré “maceta”
“Quando eu conto o que aconteceu comigo, as pessoas acham que é mentira. Falam isso porque dizem que pescam, mas nunca viram nada. Eu não queria nem que eles vissem, mas pelo menos ouvissem o que eu ouvi nas minhas pescarias pelos lagos” conta seu Hélcio, de 52 anos, hoje morando em Manaus, após ter sofrido em junho de 2020, um acidente com arma de fogo durante caminhada em uma mata de área fechada no município de Careiro, a 101 km de Manaus.
“Naquela época eu tinha uns 25 anos e os lagos da região estavam secando. Eu sempre tive o costume de acordar cedo e me mandar para o curral tirar leite e depois sair em direção ao lago para pescar de caniço. Comigo eu levava uma garrafa de água, uma faca bem amolada, meu caniço e um arpão e aprumava em direção ao lago. Às vezes passava o dia todo sozinho, só com o café da manhã na barriga e pedindo a Deus para encontrar algum peixe pra comer no almoço”.
O lago que seu Hélcio mais gostava de frequentar era o Lago do Rei. Um imenso reservatório de águas escuras, localizado no município de Careiro da Várzea, que durante a vazante se transforma em outros 62 lagos de vários tamanhos espalhados em uma área de mais de 450 km quadrados, de acordo com IBAMA.
“Era por volta das 10h30min da manhã, o sol já estava começando a ficar mais forte, quando eu resolvi parar e subir em cima de uma árvore e pescar com meu caniço feito de bambu que era mais leve e resistente, principalmente pra pegar tucunaré e Aruanã” conta o pescador que em sua singela humildade afirma dizer que o melhor momento de pescar de cima das árvores era quando o sol estava forte, porque dava para ver os peixes nadando a beira d’água e observar se algum outro bicho se aproximava.
“Naquele dia eu tinha percebido que estava tudo muito quieto; parecia está acontecendo alguma coisa com os peixes. Eles tinham sumido. Foi então que comecei a sentir um calafrio pelo corpo. Pra quem nunca pescou nas árvores, se ele não conhecer bem o local onde esta pescando, pode se dizer que ele esta sendo uma isca fácil para algum bicho, principalmente para as sucuris que chegam sem fazer barulho”.
Ele conta que aprendeu essas técnicas de ficar mais atendo no lago com o pai. “Meu pai sempre falava: meu filho, se onde você estiver pescando estiver “estalando” de peixes e do nada os peixes sumirem, fique atento, ou é um jacaré passando por perto ou é alguma cobra sucuri que já está de olho em você”.
O ensinamento deixado pelo pai de Hélcio por inúmeras vezes o livrou de ter sido alimento para as grandes serpentes da Amazônia, mas essa parte da história ele conta em outra oportunidade.
“Nesse dia eu também tinha levado uma haste feito do pau da ‘paracanaubeira’ que engata o arpão”. Nesse momento tive que interromper a fala do entrevistado para perguntar o que era uma paracanaubeira”. Ele respondeu que era uma espécie de árvore que dá na várzea, de onde se extrai a madeira para confeccionar as hastes usadas pelos pescadores para arpoar pirarucus, jacarés e outros peixes.
“A árvore que eu estava dava mais ou menos uns 2 metros de altura até a água, quando eu me deparei com um jacaré enorme, mas era um maceta, olhando na minha direção. Eu não tive muita reação no momento. E meu arpão tinha ficado na canoa. Por eu estar muito perto da água, achava que se eu me mexesse ele poderia pular e pelo tamanho dele, com certeza ele iria me jogar dentro d’água e iria me pegar”.
Seu Hélcio conta que ficou mais ou menos umas 2 horas sem poder se mexer, esperando que o animal resolvesse ir embora e ele pudesse descer da árvore e puxar a canoa que tinha ficado do lado contrário de onde ele estava. “Agora imagine você ficar ali no lugar que eu estava, sem poder se mexer, olhando aquele bicho que media quase uns 5 metros e também correndo o risco de uma cobra também resolver aparecer”.
“E ai, você acredita?”. Perguntou o soturno pescador que viu, ouviu e sentiu o medo da morte de perto e que agora tece sua malhadeira na sala de sua casa em Manaus na esperança dias melhores quando a pandemia do novo coronavirus passar.
“Acredito muito em Deus, que em breve eu vou melhorar da minha saúde e vou voltar a pescar. Por enquanto eu fico em casa me protegendo também dessa doença que apareceu, aproveito para tecer minha malhadeira e contar história”.
De acordo com a Associação dos Pescadores daquele município, em média, de 3 a 4 pessoas por ano são vítimas de ataques de jacaré.
Hélcio Maquiné é um bom contador de histórias e pai do acadêmico Hélcio Mello, aluno do 7º período de Jornalismo.