Por: Graziela Silva
Com rotinas cansativas, mulheres se desdobram para dar conta dos cuidados com casa, filhos e trabalho enquanto correm atrás do sonho universitário
Ser mãe, por si só, já é uma tarefa nada fácil. Agora conseguir equilibrar a maternidade com estudos e trabalho é mais difícil ainda. Esse é um desafio enfrentado por muitas mães brasileiras que sonham com a graduação e precisam se desdobrar para conciliar esse sonho com as outras responsabilidades. Ainda que sobrecarregadas com trabalho, cuidados com casa e filhos, elas se adaptam para dar conta de tudo.
De acordo com os dados do Censo da Educação Superior 2023, edição mais recente da pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), as mulheres representam 59% das matrículas no ensino superior. No Brasil, 12% das 11 milhões de mães solo são universitárias, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Mesmo com a grande procura das mães brasileiras pela graduação ela continua sendo um grande desafio para essas mulheres. Com rotinas cansativas de trabalho, fora e dentro de casa, e muitas vezes sem apoio de um parceiro ou da família, o desejo de estudar por vezes não parece o suficiente para iniciar ou prosseguir com o sonho acadêmico. Fatores como o etarismo e dificuldades financeiras ainda surgem como mais pedras no caminho já difícil e contribuem, na maioria das vezes, para o abandono da graduação.
Apesar dos muitos obstáculos, resiliência e persistência são coisas naturais para essas mulheres, como é o caso da estudante Dreyceane Souza Soares, de 34 anos, finalista do curso de Publicidade e Propaganda no Centro Universitário do Norte (Uninorte). Empreendedora e mãe de 2 meninas – Luiza de 15 anos e Bella de 6 anos – ela divide seu tempo entre cuidar das filhas, administrar sua loja de brindes, estagiar na Fundação Centro de Controle de Oncologia do Amazonas (Fcecon) e a universidade.
Ao ser perguntada sobre como faz para conciliar tudo, ela afirma que o ponto principal é ter muita força de vontade, “Desistir é o vocabulário que todo mundo usa. E é a primeira opção que todo mundo dá. Mas eu, no auge dos meus 34 anos, não tenho esse vocabulário ativo, é prosseguir e prosseguir. Então, uma vez que eu disse que eu vou estudar, eu vou estudar. É isso que eu passo para a minha filha mais velha e mais tarde passarei para a minha filha mais nova. Seguir em frente e não deixar que as pessoas, opiniões, contexto ao teu redor te façam parar. Se tu tem um objetivo, segue no teu objetivo “, declarou.
Agora trabalhando em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), ela conta que o maior desafio durante esse período de quatro anos foi abrir mão de certas situações em relação às filhas. “Eu sou uma mãe participativa, quando tem algo para participar de fato que eu não posso ir, quem me ajuda é meu esposo. Então a gente meio que tem uma troca em relação a isso, quando eu não posso ir ele vai. Então abrir mão de certas situações às vezes é complicado e para mim às vezes até dolorido. Eu como mãe participativa sinto essa necessidade de me afastar um pouco por conta disso”
Exclusão e apoio de professores
A estudante relembra um momento em que, devido ao fato de ser mais velha do que a maioria dos alunos e já ter um pensamento mais maduro sem tempo para “brincar” dentro da faculdade, sofreu exclusão por parte dos outros alunos da turma. Sem ter com quem conversar ou fazer trabalhos, ela conta que pensou em trocar de curso e que foi a única vez em que cogitou desistir. “Eu estava me sentindo um peixe fora d’água, estava insegura. Foi quando a minha professora da faculdade me orientou “Não, espera deixa eu trazer dois palestrantes pra ti” porque eu queria desistir daquele curso de publicidade, queria ir pro jornalismo. Eu sempre fui comunicativa, eu sabia que eu queria ser comunicadora mas não sabia onde estava a minha vibe. E aí foi quando ela falou “Eu vou trazer duas palestrantes, só me diz depois” e aí que foi o gatilho para perceber que é a publicidade que eu quero ficar porque ela abrange um mercado enorme” contou a empreendedora.
Empreendedorismo
De acordo com a pesquisa “Empreendedorismo Feminino”, realizada pelo Sebrae em 2024, 67% das mulheres que empreendem são mães. A estudante Dreyceane Soares também faz parte desse percentual, ela começou sua loja “Denguinho Brindes” em 2015 e a consolidou em 2016. Ela conta que começou vendendo cestas de café da manhã e que foi justamente por conta da loja que decidiu entrar na faculdade de Publicidade e Propaganda.
“Foi na época que eu comecei a fazer isso, aperfeiçoar as minhas habilidades, na pandemia. Como a gente estava isolado, a gente não tinha para onde correr, não tinha como fazer extra. Então, eu vi que muitas mães estavam fazendo kit festa pela internet. E aí, o que eu fiz naquela época? Eu pesquisei sobre a área, me aperfeiçoei e comecei a vender. Quando acabou a pandemia, e todo o povo brasileiro voltou de novo à ativa, eu decidi fazer faculdade de fato, pagar e fazer “, detalhou a universitária.
Rede de Apoio
Equilibrar tantas tarefas é um processo que demanda muito esforço, ter uma rede de apoio – seja ela formada por parceiros, familiares ou amigos – é essencial para a permanência de mães nas universidades. Principalmente tendo em vista que a falta de suporte muitas vezes acarreta na desistência da graduação. Felizmente para Dreyceane, ela pôde contar com pessoas ao seu lado, como seu esposo. “A nossa troca em relação a nossas filhas é, ele trabalha à noite, então ele me dá apoio total de dia. Eu trabalho de manhã e faço o estágio de manhã e estudo à noite. E aí o dia todo ele completa levando as meninas para a escola e trazendo elas para casa e nos deveres domésticos” explica a estudante sobre a rotina diária em casa.
Caminhando para o fim da graduação e escrevendo os agradecimentos de seu TCC, Dreyceane reflete sobre sua jornada, sobre quantas vezes quis desistir e quantas palavras negativas lhe foram ditas. “Eu já tô velha, falei pra mim mesma, tô velha, pra que eu vou bater cabeça? Mas, hoje eu me vejo numa posição de dizer muito obrigada, Senhor, porque eu não desisti, porque o Senhor me manteve aqui” destacou. Ela ressalta que além do apoio do marido, também contou com a ajuda fundamental da mãe e do pai, que cuidaram de suas filhas em vários momentos no decorrer dessa caminhada para lhe dar suporte.
Para as mães que pretendem fazer faculdade, ela aconselha a não desistir na primeira dificuldade, porque é nesse momento que elas vão conseguir. Ela se emociona ao contar que ouviu da filha mais velha, Luiza, “A senhora vai estar se formando e eu vou estar lá”.
“Só o fato dela ter dito isso pra mim, que me fez já lembrar agora, me faz entender e ver o porquê que eu não desisti, o porquê eu consegui, pra ela ver que ela tem uma mãe forte, trabalhadora, resolutiva e que eu vou estar apoiando ela sempre” finalizou.
Segundo dados do Censo da Educação Superior, do Ministério da Educação (MEC), o número de calouros com 40 anos ou mais em universidades brasileiras quase triplicou entre 2012 e 2021. Cada vez mais pessoas com idades superiores a casa dos 20 têm ingressado no mundo acadêmico. A aposentada Maria de Fátima Carvalho Monteiro, de 73 anos é um exemplo disso, mãe de 2 filhos, Mariana de 25 anos e Gabriel de 2 anos, ela ingressou na faculdade Nilton Lins com 48 anos para cursar enfermagem. Na época ela já trabalhava na área como técnica de enfermagem e tinha que lidar com uma rotina extremamente cansativa, tendo que se dividir entre os plantões, cuidar da filha Mariana, que possui uma saúde fragilizada, cuidar da casa e ainda estudar. Mesmo em meio a um mar de dificuldades ela persistiu em seu sonho.
Questões financeiras
Como não tinha condições de pagar, ela contou com o apoio financeiro da mãe. Sua maior dificuldade nos estudos foi com uma matéria que precisava utilizar o computador. “Não passei… aí a minha mãe me ajudou muito porque ela pagou uma aula particular para mim para fazer um curso. Fui fazer a prova de novo e passei, mas não cheguei a concluir a faculdade porque a minha mãe faleceu e eu não tive condições de pagar “, relatou.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Semesp em 2023, problemas financeiros são o principal motivo relacionado ao pensamento de desistir do curso. Muitas pessoas por não terem condições de arcar com os custos da universidade acabam abandonando esse sonho. Para as mulheres, em especial as mães, é mais difícil ainda continuar na jornada da graduação tendo que lidar com tantas barreiras e responsabilidades. Porém, mesmo em meio a um mar de obstáculos elas continuam a se destacar, fortes e perseverantes como Dreyceane Soares e Maria de Fátima Monteiro, elas seguem mostrando que nada é impossível.
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