Apesar do alto déficit de cobertura, iniciativas como a implantação de Estações de
Tratamento de Esgoto reduzem os impactos ao meio ambiente e à saúde pública
Foto: Águas de Manaus
Por Elen Viana e Júnior Almeida*
Especial para a Agência Comunica
Considerada a metrópole da Amazônia, a capital do Amazonas tem aproximadamente 70% da população sem acesso à rede de esgoto adequada. O percentual representa 1,5
milhão de pessoas (do total de 2 milhões de habitantes, segundo o IBGE 2022) sem acesso à coleta de esgoto. A informação é do Instituto Trata Brasil [link], que coloca Manaus
como a 86ª entre as 100 maiores do Brasil no ranking de saneamento básico.
“Quando a gente olha o número de internações por doenças de veiculação hídrica, vemos que houve 1.670 internações em Manaus por conta dessas doenças associadas à falta de
saneamento, como dengue, esquistossomose, leptospirose e diarreia. Isso mostra que o saneamento básico é fundamental para melhorar a qualidade de vida e reduzir doenças”,
disse a presidente executiva do Trata Brasil, Luana Pretto, em exclusiva a esta reportagem.
(Foto: Trata Brasil)
Em 2018, apenas 19% dos moradores contavam com esgoto tratado, embora esse número tenha evoluído para 30% em 2023. A concessionária Águas de Manaus planeja expandir essa cobertura para 60% até 2027 e alcançar 90% até 2033, conforme o novo marco regulatório de tratamento de resíduos.
“Esse (percentual de 30% de cobertura) é um limiar preocupante, principalmente por se tratar de uma cidade muito grande e no meio de uma das regiões mais biodiversas do
planeta, o que pode facilitar a transmissão de doenças para as pessoas”, avaliou o Dr. Lucas Ferrante, biólogo e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e da
Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
(Foto: Acervo pessoal)
Manaus tem enfrentado um acelerado crescimento populacional nos últimos anos. O número de habitantes da cidade saltou de 1.802.014 em 2010 para 2.063.547 em 2022, o que representa um aumento de 14,5%, conforme dados do Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse crescimento desordenado tem levado
a uma migração em massa para o perímetro urbano, resultando na ocupação de áreas verdes e na construção de moradias sem infraestrutura adequada.
Atualmente, a cidade abriga seis das 20 maiores favelas do Brasil, ainda segundo o IBGE. Esse cenário reflete alguns fatores históricos, como o impulso econômico gerado pela criação da Zona Franca de Manaus (ZFM), em 1967, que atraiu trabalhadores em busca de oportunidades de emprego.
Para o especialista Claudenor de Souza Piedade, mestre em Biotecnologia e Recursos Naturais da Amazônia pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA), as favelas em Manaus são marcadas por infraestrutura precária, informalidade fundiária e baixa oferta de serviços essenciais, como saneamento básico, incluindo a rede de esgoto e consequentemente, a saúde.
(Foto: Acervo pessoal)
“As favelas se formam em áreas sem regulamentação urbanística, e suas condições habitacionais não são planejadas, o que gera exclusão social e econômica”, ressaltou. “Essas definições refletem que as favelas são áreas com déficit de infraestrutura urbana, como abastecimento de água e esgoto, e suas habitações se desenvolvem sem planejamento, resultando em um ambiente propício à exclusão social”, completou Piedade.
Uma forma de melhorar tal situação é investir no saneamento básico. O Instituto Trata Brasil aponta ainda que imóveis em áreas com acesso a saneamento, incluindo redes de água e esgoto, podem valorizar até 16,4% em relação a áreas sem acesso a esses serviços. Além disso, a melhoria no saneamento pode tornar Manaus mais atrativa para turistas e investidores, o que contribui para o crescimento econômico.
O tratamento adequado do esgoto, além da melhoria ambiental e de saúde pública, reduz a degradação do solo, promove práticas sustentáveis. Após ser tratada, a água pode ser reutilizada para fins como irrigação agrícola, resfriamento industrial e outros usos não potáveis, contribuindo para a conservação dos recursos hídricos.
As Estações de Tratamento de Esgoto são importantes para a gestão eficiente dos recursos hídricos, proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável. Em regiões com cobertura sanitária limitada, como Manaus, iniciativas como a ETE da Ponta Negra ajudam a preservar ecossistemas, melhorar a saúde pública e promover o desenvolvimento econômico, reduzindo desigualdades e assegurando um futuro sustentável.
Além disso, moradores da região compartilham o impacto do saneamento básico em suas comunidades. Segundo Jonathas Gouveia, industriário e residente do bairro Ponta Negra, a diferença do tratamento de esgoto é visível em diferentes zonas da cidade. “Nunca tive problema com saneamento básico. Moro na Ponta Negra, e aqui é tudo muito bem cuidado. O esgoto passa por tratamento, as canaletas são limpas e raramente vemos entupimentos, mesmo em dias de chuva. A Águas de Manaus faz manutenção constante, e a taxa de esgoto que pagamos reflete nas melhorias. Isso é bem diferente de outros bairros, onde o lixo entope tudo e a situação fica complicada”, observou Gouveia.
(Fotos: Acervo pessoal/ Lucas Oliveira)
Por outro lado, Lucas Oliveira, operador de loja e morador do bairro Nova Vitória, na zona Leste, relatou uma realidade oposta. “Aqui no bairro, há um igarapé na parte de baixo e o esgoto na frente de casa está transbordando há mais de um mês. O cheiro é insuportável. Já denunciamos, mas nos disseram que só atendem se houver alguém que pague a taxa de esgoto. Enquanto isso, o lodo e a água acumulada só pioram”, revelou.
Um exemplo de avanço no saneamento em Manaus é a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) do bairro Ponta Negra, localizada na zona Oeste da capital. A primeira parte da estação já está em funcionamento desde o segundo semestre deste ano e o sistemapassará por ampliação. O projeto beneficiará um dos principais pontos turísticos da capital amazonense, a praia da Ponta Negra, e terá capacidade para tratar 1,7 milhão de litros de esgoto por dia.
Foto: Júnior Almeida
Segundo o coordenador de Tratamento de Esgoto da Águas de Manaus, Thiago Meireles, os benefícios da ETE vão além da redução da poluição ambiental, consequência do esgoto não tratado, muitas vezes despejado diretamente nos igarapés. “A saúde pública melhora consideravelmente com o tratamento de esgoto e a valorização dos imóveis na região pode chegar a 30%. Além disso, a qualidade ambiental torna o turismo mais atraente, gerando um ciclo de crescimento econômico”, afirmou.
Foto: Júnior Almeida
Na estação, o esgoto passa por um tratamento primário, seguido por um tratamento biológico em dois tanques sequenciais, sendo depois devolvido ao meio ambiente de forma segura, conforme os regulamentos nacionais de qualidade, como a Lei 9.433/97, conhecida como Lei das Águas, que estabelece normas rigorosas para a preservação e recuperação dos recursos hídricos. Entre os destaques, a lei esclarece que:
• A água é um bem de domínio público;
• Deve-se assegurar às atuais e futuras gerações a disponibilidade de água em
padrões de qualidade adequados;
• Incentivar e promover a captação e o aproveitamento de águas pluviais;
• Definir medidas, programas e projetos para o cumprimento das metas.
As estações de tratamento de esgoto, conhecidas como ETE, utilizam processos físicos, químicos e biológicos para remover impurezas e poluentes da água. O esgoto é coletado por meio de tubulações, enviado para as redes coletoras e, posteriormente, encaminhado para a estação de tratamento.
1. Sistema Primário: A primeira etapa do tratamento visa remover resíduos maiores. O gradeamento é um processo fundamental que retira sólidos grosseiros como folhas, plásticos e madeiras, que poderiam danificar os equipamentos e obstruir as tubulações.
2. Sistema Secundário: Em tanques maiores, a matéria orgânica dissolvida é separada por processos biológicos, com micro-organismos consumindo essa matéria e acelerando sua decomposição em um processo aeróbico (presença de oxigênio).
3. Sistema Terciário: Fase final que remove poluentes específicos, como fósforo e nitrogênio, que não foram eliminados nas etapas anteriores. É realizada a desinfecção com adição de produtos químicos para eliminar agentes patogênicos (microrganismos que não podem ser vistos a olho nu, com potencial para causar doenças).
Foto: Júnior Almeida
Após essas etapas, a água tratada é devolvida à natureza de forma segura, atendendo aos critérios de qualidade estabelecidos pela Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) nº 357/2005, que regula a qualidade dos corpos d’água. O Conama é um órgão criado em 1981, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, responsável por formular políticas e normas ambientais no Brasil, com a participação de governo, empresas e sociedade civil.
*Alunos de Jornalismo da Fametro do 7º e 4º períodos, respectivamente, sob orientação
do Jornalista e Professor Mestre Rômulo Assunção Araújo