Por: Ruy Nery, Iasmim Queiroz e Milena Amaral*
Foto: Reprodução / iStock
No mundo contemporâneo, marcado pela velocidade da informação e pela sobreposição de discursos, não basta apenas saber o que está sendo dito. É fundamental compreender quem está dizendo, por que motivo, de que maneira, e com qual intenção. As narrativas midiáticas, cada vez mais centradas no envolvimento emocional e no testemunho subjetivo, exercem um papel decisivo na maneira como a sociedade interpreta os fatos, constrói seus valores e direciona suas ações.
Na era da chamada Sociedade 5.0 — conceito criado no Japão em 2016, que visa integrar o avanço tecnológico com soluções centradas no bem-estar humano —, o poder de construir e disseminar narrativas ganha uma dimensão ainda mais profunda. Nesse novo modelo civilizatório, onde os mundos físico e digital se fundem, quem controla a narrativa não apenas informa, mas também forma o imaginário coletivo.
Em tempos recentes, marcados por crises como a pandemia de Covid-19, a crescente polarização política, a disseminação de desinformação e os ataques à imprensa, a forma como as histórias são contadas passou a ter impacto direto na capacidade crítica e no discernimento social. Em nome da empatia e da conexão emocional, veículos de comunicação e criadores de conteúdo passaram a investir no que Figueiredo (2010) chama de “realismo de base testemunhal” — um estilo narrativo que privilegia a experiência individual, o drama e o afeto como mecanismos de engajamento do público.
Contudo, o que pode parecer apenas uma estratégia editorial para aproximar o conteúdo do espectador pode, na prática, ocultar viés ideológico, manipulação emocional, ou distorções contextuais. Ao priorizar determinados pontos de vista, selecionar recortes convenientes ou silenciar vozes dissonantes, as narrativas midiáticas podem desencadear efeitos manada, alimentando polarizações, preconceitos e conclusões precipitadas.
Emoção como estratégia — e armadilha
De acordo com o professor e filósofo Márcio Becker (2021), vivemos atualmente sob o paradigma do “humanismo solidário”, no qual a emoção atua como ponte afetiva entre o emissor e o receptor das mensagens. A intenção, à primeira vista nobre, é tornar a comunicação mais humanizada e sensível às dores e realidades diversas.
No entanto, essa mesma emoção pode ser instrumentalizada. Quando experiências pessoais e relatos emocionais são usados como único critério de veracidade, corre-se o risco de que dados objetivos e evidências sejam relativizados ou descartados. Essa tendência ficou evidente durante a pandemia, quando discursos negacionistas e teorias conspiratórias, muitas vezes baseados em “histórias reais”, ganharam força nas redes sociais e plataformas de vídeo.
O resultado foi a erosão do senso crítico coletivo: informações sem respaldo científico foram amplamente compartilhadas, vacinas foram questionadas, e medidas de proteção tornaram-se alvo de narrativas polarizadas. A emoção, nesse contexto, deixou de ser um instrumento de empatia para se transformar em arma retórica.
A promessa e o desafio da Sociedade 5.0
A Sociedade 5.0 surgiu como uma resposta otimista às demandas do século XXI. Seu objetivo é usar tecnologias como inteligência artificial, big data, Internet das Coisas e robótica não apenas para aumentar a produtividade econômica, mas para resolver problemas sociais complexos, como o envelhecimento populacional, as mudanças climáticas, o racismo estrutural e a exclusão digital.
Na esfera midiática, essa proposta se traduz em um jornalismo mais inclusivo, ético e orientado para o bem-estar coletivo. Isso significa narrativas que acolhem a diversidade, promovem sustentabilidade e dialogam com as demandas humanas, sem abrir mão do rigor informativo.
Exemplos concretos dessa nova sensibilidade narrativa podem ser vistos em reportagens longform sobre os biomas brasileiros, que aliam ciência, emoção e engajamento ambiental; ou em produtos culturais como o clipe “Flutua”, de Johnny Hooker e Liniker, que promove a inclusão de pessoas LGBTQIAPN+ e o uso da Língua Brasileira de Sinais (Libras); ou ainda em campanhas publicitárias que ressignificam o envelhecimento de forma leve e positiva.
Essas iniciativas mostram que é possível unir emoção e responsabilidade, sem abrir mão da verdade factual e da ética comunicacional.
Ética ou viés? A mercantilização das narrativas
Por outro lado, a personalização excessiva das narrativas — especialmente nas redes sociais — traz um novo dilema: até que ponto essas histórias são autênticas e espontâneas? E até onde são cuidadosamente moldadas para vender produtos, ideias ou ideologias?
Na economia da atenção, onde visualizações, curtidas e compartilhamentos se transformam em capital simbólico e financeiro, a linha entre representatividade legítima e instrumentalização emocional torna-se tênue. A proliferação de relatos em primeira pessoa — muitas vezes editados, roteirizados e patrocinados — alimenta uma cultura da imagem e da emoção, em detrimento da análise crítica e do pensamento reflexivo.
Diante disso, uma constatação inquietante emerge: quem não narra, não existe. Ou pior: quem não domina a narrativa, acaba sendo moldado por ela.
Por isso, em tempos de excesso de informação e escassez de discernimento, o maior desafio da sociedade contemporânea talvez não seja apenas produzir conteúdo, mas ensinar a interpretar. A construção de uma cidadania crítica, na era da Sociedade 5.0, exige mais do que acesso à informação — exige educação midiática, consciência ética e responsabilidade narrativa.
Confira o vídeo:
*Finalistas do curso de Jornalismo do 8º período de Jornalismo 2025/1 para a disciplina Laboratório de Jornalismo Multimídia, ministrada pelo professor Rômulo Araújo.