Por Hélcio Melo
Uma das histórias mais assustadoras contadas pelos ribeirinhos da Amazônia é sobre a criatura misteriosa que surge após a meia-noite, nas madrugadas quentes e de clima seco: o temível fogo-fátuo.
Segundo relatos, o suposto espírito surge no formato de uma pequena bola de fogo, e que vai crescendo até se parecer com as características de um homem em chamas, ou formato de uma tocha ardente em fogo, cada um tem sua própria versão a contar. Parece mentira? Conheça relatos de algumas pessoas que viram ou ouviram histórias sobre o fogo-fátuo.
Cambixe – fogo sobre as águas do lago
“Existe, e eu acredito” diz dona Neide Castro, de 63 anos. Ela conta que o pai, Manoelzinho Alcebias, ja falecido, por várias vezes havia presenciado o fenômeno em um lago conhecido como Acarí, no distrito de Cambixe, zona Rural do município de Careiro da Várzea, a 25 Km de distância de Manaus.
“Meu pai era pescador antigo no Cambixe. Ele costumada sair de madrugada, por volta de uma hora da manhã em direção a um lago chamado Acarí. Ele dizia que aquele horário da madrugada era melhor porque não tinha muitas ondas que pudessem atrapalhar a direção ou que alagassem a canoa durante a travessia para a outra margem”.
Ele conta que em uma dessas saídas para pescar, o pai dela o fenômeno acontecer no meio do lago. “Era uma bola de fogo em chama de cor vermelha sobre a água. Ele dizia também que aquele fogo aumentava que crescia de tamanho. Ninguém se atrevia a atravessar o lago enquanto aquela coisa estivesse ali. Às vezes tinham que esperar até o dia clarear, pra voltar pra casa”.
Para Dona Neide, esse fenômeno está relacionado o mal, as coisas do demônio. “Antigamente as pessoas via muitas coisas acontecerem, naquela época não tinha luz, era fácil do ‘inimigo’ manipular a mente das pessoas com esse tipo de aparição. Hoje ele usa outros meios, inclusive as drogas”,
Preso no curral
Outro relato bem parecido com o de noda Neide é contado pela Dona de Casa Lucicleide Gomes da Silva, de 55 anos. Moradora do Distrito de Cambixe desde sua infância, ela conta que seu falecido pai, Seu João Gomes da Silva, mais conhecido como “Roxão”, também teria ouvido falar de um pescador que viu e que foi até perseguido pela suposta bola de fogo. “Ele conta que existia um pescador lá pras bandas de um lugar do baixo Cambixe, chamado de Croa, que costumava sair pra pescar de noite e voltar só de madrugada”.
“Meu pai conta que esse homem estava voltando do lago certa vez, e que foi surpreendido com uma dessas bolas de fogo atrás dele. E começou a segui-lo. Foi quando o homem pegou um pedaço de pau e esperou que aquela bola ficasse mais perto. Quando ela chegou perto. O homem atirou o pau em cima do bicho que se transformou em três bolas”, Conta dona Lucicleide.
Dona Lucicleide com a voz risonha continuou. “Mas a história não acaba por ai não. Segundo o que se ficou sabendo, foi que depois que o homem acertou a Paulada no bicho e ele voltou ao estado normal dele, essas três bolas avançaram em cima do homem até botar pra correr. O homem desesperado se meteu dentro de um curral, onde tinha umas vacas presas e ficou lá até amanhecer. A bolas não entraram, ficaram do lado de fora”.
Para ela, o fenômeno tem a ver com os ovnis (objetos voadores não identificados). “Na minha concepção essas coisas são muito parecidas para com os ovnis, pois tem as características de naves que voam e brilham. Mas nunca vamos saber ao certo do que se trata”, ressalta.
Construção sociocultural
Para o antropólogo Clayton Rodrigues, cada grupo e em cada lugar procurou explicar da sua maneira como se relacionava com seu ambiente. Dessas explicações surgiram diversas expressões mitológicas, cosmológicas e folclóricas dos mais diversos fenômenos naturais ou não, inexplicáveis para as lógicas desses grupos. “A ideia de explicações com comprovações mais elaboraras e mais recente na maior parte do Brasil, veio com a ciência europeia. O fogo fátuo faz parte dessa coletânea de agências não humanas das realidades amazônicas. Essa espécie não humana recebeu vários nomes, fogo fátuo, boitatá, boiuna, etc” explica.
Rodrigues também conta que em alguns lugares o fogo-fátuo é associado a uma cobra de fogo, em outros lugares é apenas uma chama própria e que amedronta quem a vê. “É importante lembrar que essas agências não humanas sempre cumpriram papeis importantes no comportamento social, nas crenças, nos cuidados e respeito aos lugares encantados. Essas expressões sempre significaram a relação entre os humanos e tudo o que os cerca, desde muito tempo. Nesse caso não há verdade ou mentira, certo ou errado. Isso faz parte da criatividade e inteligência humana para se relacionar com os fenômenos que não conhece profundamente”. Ressalta.
Tradição oral
O fenômeno já foi visto por inúmeras pessoas em várias partes do Brasil o que o fez virar lenda e música, como a “Lendária Boitatá”, toada do Boi Caprichoso de 2018.
Segundo trechos da música, o fogo-fátuo é considerado o protetor dos campos e das águas. A toada faz alusão à cobra Boitatá, a grande cobra da Amazônia que quando surge, os olhos iluminam como brilho de fogo.
É fogo, é fogo
É fogo, é fogo!
Rasteja pelo campo
O povo todo corre em pranto
O fogaréu se aproximando queima o teu olhar
É a lenda brasileira do folclore
É fogo Boitatá
Víbora, serpente
Tua escama, brilho ardente
Teu rastro, de repente, some do olhar
É a lenda brasileira, ser fantástico
É Boitatá
Fogo e luz vão te encantar
Medo e caos vão apavorar
Meu fogo te consumirá
(Ignívoma!)
Incendeia aldeias
É fogo, é chama
Clareia a escuridão
Cobra Grande vagueia
É fogo, luz, labareda
Como assombração
Lendária incendiária (Boitatá)
Lendária incendiária (Boitatá)
É fogo que corre na água
É fogo que corre na mata
E queima em todo lugar
Boitatá!